Rubens Lisboa, músico e compositor, fala sobre o forró conhecido por tradicional.
Como o povo mais animado do Brasil – põe sua roupa colorida característica, seu chapéu de palha e sai por aí, faceiro, para se esbaldar nos inúmeros arraiais que se multiplicam por todos os lugares. É tempo de pular quadrilha, de comer pamonha e fubá e de arear as fivelas.
O forró, que abrange a dança e a música, se constitui em manifestação genuína e sincrética da cultura popular, posto que une elementos do batuque, uma dança proveniente da cultura africana, com elementos rítmicos europeus e indígenas.
Vários ritmos compõem o forró: baião, xote, xaxado, coco e vaneirão, este como é conhecido no Sul do país. Na dança, formam-se pares, geralmente homens com mulheres. Tais pares podem a vir ou não a se desfazer durante o desenrolar da festa, já que não existe uma norma para a formação do par. Na falta de quem dançar, muitas vezes se dança com crianças, sozinho ou mulher com outra mulher.
Embora existam algumas marcações definidas, no todo a coreografia do forró não possui exatamente passos determinados, consistindo basicamente no improviso dos movimentos. Esse improviso pode também se estender às letras das músicas.
O autêntico forró pé-de-serra é formado por três músicos que ficam responsáveis pelos instrumentos: sanfona, triângulo e zabumba, mas ocasionalmente podem ainda fazer parte rabeca, pandeiro e agogô.
A real popularização do ritmo se deu a partir da década de 40, com Luiz Gonzaga, pernambucano do município de Exu que foi para o Rio de Janeiro e gravou inúmeras músicas que falavam do cotidiano nordestino. No início, o artista chegou a sofrer preconceito. Mas devagarzinho, o forró foi conquistando o grande público, deixando de ser só uma música para saudosos migrantes nordestinos ou pessoas de classe social inferior. É justo enfatizar que o modo poético como Gonzagão cantava sua vivência dura de sertanejo e as tristezas/doçuras da vida nordestina tão esquecida pelo resto do Brasil contribuiu e muito para essa aceitação. Outra figura de grande importância neste contexto é a do paraibano Jackson do Pandeiro, considerado por muitos como o maior ritmista da história da música popular brasileira e responsável pela nacionalização de canções nascidas entre o povo nordestino.
O nosso país, imenso em suas dimensões, é celeiro fértil para manifestações artísticas as mais variadas. A música é um espelho disso e reflete também as transformações impostas pelo tempo. Essas mudanças deveriam resultar em um produto melhorado. Não é o que acontece sempre. Este artigo – frise-se – não possui o condão de levantar bandeiras, tampouco o de defender teses, até porque, como diz o sábio ditado popular, “gosto não se discute”. O objetivo aqui se restringe a trazer a lume a importância do chamado forró tradicional dentro do que de mais genuíno ele possui.
Nesse diapasão, no entanto, não há como deixar de destacar uma questão de inatacável consistência que é: o forró que se ouve hoje continua a ser uma manifestação de cultura popular ou se tornou mais um elemento da cultura brasileira que foi modificado e habilmente manipulado pela indústria cultural a fim de que, constituindo-se num modismo, possa vir a render mais lucro aos investidores empresariais?
Decerto que o forró tradicional sentiu um baque com a eclosão, no início dos anos 90, da febre da lambada. Foi a partir desse momento que surgiram vários grupos musicais, imediatamente catapultados ao sucesso, fazendo o que se convencionou chamar de “lambaforró” ou “oxentemusic”. Pode-se dizer que o marco inicial deu-se no Ceará, mas o fato é que, com uma rapidez fulminante, espalhou-se pelo resto do Brasil, destacando-se em nosso Estado. Hoje, misturadas às inocentes quadrilhas, vêem-se nos palcos bailarinas seminuas acompanhando acordes de canções monocórdias, cujos versos são quase sempre entremeados por gemidos e similares. A própria dança também se modificou, assimilando passos inimaginavelmente sensuais.
Pegando carona nessa onda, jovens também conseguiram se destacar fazendo o “forró universitário”, talvez um meio termo entre o forró tradicional e o eletrônico. Na verdade, há lugar para toda uma fauna na floresta brazilis, mas o fato é que não se pode deixar de reconhecer que, por vias tortas, da mesma forma que o pagode resgatou sambistas antigos, fazendo-os conhecidos pelas novas gerações, esses grupos “alternativos” de forró estão ajudando a divulgar o ritmo e suscitar interesse nos velhos mestres.
Estagnar-se no tempo e viver respirando o passado não é salutar. Mudar a estrutura do que perpassa gerações e apropriar-se dele com interesses puramente comerciais, mantendo-lhe despudoradamente apenas o nome, também não é. Essa música que está sendo mostrada atualmente como forró tem seu espaço (senão não venderia a quantidade absurda de CD’s e DVD’s que vende), mas - reconheça-se – não é forró: a batida não é de forró, a dança não é de forró, a sanfona não é de forró, os instrumentos não são de forró, os temas das letras não se adequam ao forró. Essas bandas possuem um viés regionalista revestido de embalagem pop e vêm alcançando sucesso, mas não podem se auto-proclamar como representantes da cultura nordestina. São apelos de momento, frutos de um mercado que visa ao lucro fácil. Têm público cativo e merecem respeito tanto quanto qualquer outra vertente musical, até porque arte é coisa muito subjetiva. Mas o bom mesmo é que o autêntico forró sobrevive passando ao largo dessas grandes pirotecnias e maquiagens. Ele, na sua simplicidade, por si só se agiganta pois traz a genialidade impressa nas letras ingênuas e nas melodias deliciosamente contagiantes.
Autor: Rubens Lisboa, compositor e cantor e escreve todas as segundas-feiras a Coluna Musiqualidade para a Infonet
Nenhum comentário:
Postar um comentário